2022 começa como terminou 2021: o verão brasileiro apresentou seu novo cartão de visitas, com longos períodos de chuva intensa, desta vez concentrada em regiões como o sul da Bahia e em toda Minas Gerais. Os impactos, de amplo conhecimento, estão nos noticiários; de novo.
Agora no fim de janeiro, já se observa também uma onda de calor “de intensidade incomum” na América do Sul, segundo meteorologistas. E ainda não completamos nem o primeiro mês da estação. Sem muito esforço recordamos que, há menos de quatro meses, vivenciávamos o maior período de estiagem no Centro-Oeste brasileiro dos últimos 100 anos.
Se ainda há os que resistem em admitir que o clima não é mais o mesmo, e que a mudança veio para ficar, mais difícil tem sido encontrar quem não concorde que precisamos, urgentemente, estar melhor preparados para emergências climáticas, como a que presenciamos (mais uma vez) no Brasil nestas primeiras semanas do ano.

REUTERS/Ricardo Moraes
2022: ano-chave para ambição climática
Cientistas, ativistas, empresários e setor público têm soado quase em uníssono: 2022 é um ano-chave para nossa ambição climática, se ainda pretendemos manter como viáveis os objetivos de controle de danos previstos no Acordo de Paris.
Se, por um lado, é inegável que a crise climática tem recebido muito mais atenção por uma parte crescente da população mundial, por outro é importante lembrar que “anos-chave” para o seu enfrentamento também foram anunciados em 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021… Por que deveríamos pensar que algo diferente ocorreria ao longo deste ano?
Em âmbito internacional, saímos da COP26 com a sensação ambígua de “avanço insuficiente”. Uma chuva de importantes compromissos foram assumidos (redução da produção e financiamento combustíveis fósseis, controle do metano, redução/eliminação do desmatamento ilegal, assistência técnica para adaptação climática em países pobres etc.), lacunas importantes foram preenchidas, como o livro de regras do Acordo do Paris (a partir de 2024, tende a ser mais difícil praticar as manobras e pedaladas para revisão permissiva dos compromissos climáticos assumidos pelos países signatários, os NDC), e entraves (praticamente) superados para a implantação de um mercado de carbono internacional.
Em contrapartida, acordos de última hora entre os países mais emissores impediram compromissos mais ambiciosos de mitigação, e o fluxo de financiamento para ações de adaptação às mudanças climáticas em países menos desenvolvidos segue incerto e insuficiente.
No Brasil, testemunhamos em 2021, a continuidade do crescimento do ritmo de desmatamento na Amazônia e no Cerrado, dois dos biomas mais importantes para a regulação do clima no país, e nenhuma ação relevante do setor público que demonstre mínimo alinhamento aos compromissos climáticos assumidos internacionalmente, e reforçados durante a COP26 – dois dos mais importantes dizem respeito à eliminação do desmatamento ilegal até 2028, e a redução em 30% nas emissões de metano até 2030.
No caminho inverso, a produção de petróleo no país deve seguir crescendo em ritmo acelerado (entre 2021 e 2030, o país deve produzir 20 bilhões de barris, quase a mesma quantidade produzida desde a fundação da Petrobrás, em 1953) e a previsão do Ministério da Agricultura é de crescimento de 50% da área plantada de soja no Centro-Oeste, até o final da década.
Vale lembrar que 2022 é ano de eleições, historicamente associados a crescimento das taxas de desmatamento, sobretudo ilegal, uma vez que medidas rígidas de controle não costumam estar associadas à bom desempenho eleitoral, sobretudo nas regiões de fronteira agrícola.
Ainda no tema eleitoral, merece destaque o fato de que a agenda climática não figura entre os temas centrais de nenhum dos principais candidatos à eleição presidencial, tendo sido citada apenas marginalmente (e quase sempre na forma de platitudes), como agenda auxiliar e secundária, excessivamente concentrada em ações de mitigação, quando sabemos que nosso grande desafio, como país desigual e periférico, deveria ser proteger nossa população dos enormes impactos socioeconômicos associados à crise climática.
Motivos para acreditar no enfrentamento da crise climática em 2022
Mas nem tudo são lamentos, e temos bons motivos para acreditar que 2022 pode, sim, ser lembrado como um ano crucial na nossa trajetória de enfrentamento da crise climática.
Como citado no início do artigo, a crise climática é tema cada vez mais comum no nosso cotidiano, ocupando amplos espaços em portais de notícias de grande visibilidade e alcance, o que tem contribuído para uma mais fácil e rápida conexão e assimilação, por uma parte cada vez maior da população, entre os cada vez mais frequentes fenômenos climáticos extremos, como secas, incêndios, cheias, alagamentos, deslizamentos, e nosso sistema econômico, construído sobre a queima de combustíveis fósseis e a transformação acelerada da natureza.
Esta crescente exposição não é gratuita, e se constrói na esteira de uma participação cada vez mais ativa da sociedade civil, sobretudo dos mais jovens e dos mais vulneráveis, como presenciamos durante as significativas manifestações em Glasgow, em novembro, durante a COP26.
É a sociedade civil que está trazendo à tona temas incontornáveis como a justiça climática, o greenwashing, ou a transversalidade entre questões climáticas e políticas sociais de igualdade racial e de gênero, ou a relevância da inclusão de povos tradicionais no desenho de estratégias de ação climática.
Empresas de vários setores e instituições financeiras estão sendo mais pressionadas pelos riscos econômicos (e de reputação, que finalmente são também econômicos) associados à crise climática, e têm se movimentado de forma mais intensa na construção de uma agenda de enfrentamento, construindo estratégias e ferramentas que acelerem o processo de transição para uma economia de baixo carbono, ainda que, por vezes, seja necessário todo o redesenho do seu modelo de negócio, como nos setores de energia ou de transportes.
Acredito que serão três os momentos-chave da agenda climática neste ano de 2022, dois deles em escala internacional:
- A COP15 de Biodiversidade, em maio, que pretende avançar no Marco Pós-2020, compromisso mundial de preservação e restauração de nosso patrimônio natural, bem como estabelecer um plano de ação visando a transformação de nossa relação com a Natureza e a biodiversidade, o que passa necessariamente pela agenda climática.
- A COP27 sobre o clima, em novembro, quando os principais emissores mundiais de gases de efeito estufa (EUA, China, Índia e União Europeia) devem apresentar um plano detalhado de seus compromissos para “redução gradual” do uso de combustíveis fósseis, com foco na convergência para o cenário de 1,5°C do Acordo de Paris.
- E, por fim, em escala nacional, as eleições brasileiras e a pressão da sociedade civil e do setor privado para a indispensável (e já tardia) integração de estratégias de ação climática (mitigação e, sobretudo, de adaptação) como eixo principal das agendas políticas dos novos representantes dos poderes Executivo e Legislativo, que tomam posse a partir de janeiro de 2023.
Autor: Leonardo Werneck, diretor executivo.
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