A popularização da internet e das redes sociais vem contribuindo para o avanço tecnológico e de comunicação em todas as partes do mundo. Entretanto, apesar dos benefícios proporcionados pelo maior acesso à tecnologia, cresce a preocupação com a qualidade e veracidade das informações que circulam nas redes.
Um grande exemplo pôde ser experimentado no enfrentamento à pandemia de COVID-19. Ao mesmo tempo em que a ciência se esforça na procura por soluções e alternativas para lidar com o problema, um lado obscuro da internet e dos aplicativos de comunicação procura confundir e espalhar informações inverídicas, sem comprovação científica.
Não obstante, em muitos momentos, o comportamento negacionista, materializado no compartilhamento de informações falsas, atrapalhou os esforços no combate à pandemia e pode ter custado inúmeras vidas.

O comportamento negacionista ameaça a sociedade há muitos anos, muito antes do mundo contemporâneo conhecer os efeitos devastadores da COVID19 e suas variantes. A ciência das mudanças climáticas é a prova disso. A negação sobre a existência da crise climática e suas causas já existe há algum tempo.
Mesmo diante de todos os avanços da ciência, no sentido de provar que essas alterações são reais, causadas pelo homem e estão se intensificando numa velocidade espantosa, sem precedentes nos últimos dois mil anos (pelo menos), ainda existem grupos (pequenos) que, sem qualquer fundamento científico, negam a crise climática e a influência das atividades humanas neste processo. Mas, quais são os argumentos (furados) usados por estes grupos e capitaneados por alguns e raros “cientistas”?
Inúmeras são as lorotas ambientais que circulam por aí. A primeira a contestarmos é o argumento retrógrado, mas ainda bastante usado, é de que já existiram períodos tão ou mais quentes, ou seja, o clima já mudou no passado. Essa história é hoje a explicação fake mais usada pelos negacionistas. Muitos deles afirmam que tivemos eras glaciais e períodos mais quentes em momentos que sequer os humanos existiam. E isto não é mentira, mas sim uma pós-verdade usada para nos confundir.

Dois eventos são ilustrativos destas variações: A Pequena Idade do Gelo, um período a partir dos anos 1300 até a década de 1850, no qual a Europa e América do Norte sofreram com um período de baixa glacial marcado por uma expansão das geleiras e frio intenso, e o período quente medieval (950-1250 d.C.), no qual 40% da superfície da Terra registrou aumentos significativos de temperatura. Estes dois períodos exemplificam que o clima sempre mudou e as mudanças climáticas do passado foram até mais radicais do que as que vemos hoje.
Até este ponto, a história contada pelos negacionistas possui fundamento. Entretanto, nenhuma destas mudanças possuem a dimensão geográfica (afetando praticamente todo o mundo) e a intensidade verificada nas alterações atuais. Ou seja, mudanças climáticas sempre existiram devido a diversos fatores naturais, tais como erupções vulcânicas, oscilações na atividade solar ou mesmo devido à variabilidade interanual do clima, porém, a ciência já demonstrou efetivamente que as forçantes naturais não explicam as alterações climáticas intensas que estão sendo verificadas nas últimas décadas. Este é um exemplo de uma meia-verdade, modificada para confundir.
A segunda mentira clássica dos negacionistas está relacionada às causas das mudanças atuais. Ou seja, além de negarem a existência do problema, procuram mistificar de forma infundada a sua causa. Alguns sugerem que são as atividades solares que estão influenciando o clima global fazendo com que o mundo se aqueça. Pois bem, esta segunda mentira é, no mínimo, controversa. A verdade é que nos últimos 35 anos o Sol tem mostrado uma tendência de resfriamento. No entanto, as temperaturas globais continuam a aumentar.
Na terceira mentira contada, voltaremos ao negacionismo da existência do problema: a (ilusória) história de que nevascas e recorde de temperaturas baixas verificadas em algumas partes do mundo são evidências de que o aquecimento global não existe. Para manter esta fake news, as pessoas que defendem este tipo de argumento se omitem de afirmar que o aquecimento global é inteiramente compatível com esses eventos, afinal de contas, eles são apenas meteorológicos.
Para a mudança climática, são as tendências de longo prazo que importam, medidas ao longo de décadas ou mais. Aqui estamos falando de tempo e não de clima. E essas tendências de longo prazo mostram que o globo está, infelizmente, aquecendo aceleradamente.
Poderíamos listar e contestar aqui mais uma série de fake news que são usadas para deslegitimar o problema e o enfrentamento à emergência climática. Porém, contra dados não há argumentos. As evidências da emergência climática e suas causas se acumulam provenientes de diversas fontes: os anéis dos troncos de árvores, amostras de gelo, sedimentos em lagos e corais, por exemplo, trazem consigo um registro histórico do clima no passado que não nos deixam dúvidas de que as mudanças atuais não possuem precedentes. Nos últimos 125 mil anos a Terra nunca foi tão quente como é hoje.
Cerca de 97% dos estudos publicados entre 1991 e 2012 aceitavam a ideia de que atividades humanas estavam alterando o clima da Terra. Recentemente, cientistas decidiram investigar se o consenso se manteve e descobriram que ele, inclusive, se fortaleceu: mais de 99,9% dos artigos consideram que as mudanças climáticas são majoritariamente causadas pelos seres humanos, com consequências potencialmente gravíssimas para os seres humanos e o planeta. Portanto, não se trata de uma opinião, mas de uma constatação científica de que atividades humanas estão superaquecendo o planeta, e que essa elevação de temperatura é responsável pelas mudanças climáticas, cada vez mais intensas, que temos vivenciado nas últimas décadas.
Neste sentido, não podemos aceitar que a justa preocupação com o desenvolvimento sustentável e o meio ambiente seja manipulada. As medidas necessárias para criar um planeta mais saudável e resiliente serão difíceis de se aplicar se as fake news sobre o clima continuarem a se proliferar. O perigo do negacionismo climático impulsionado pelas mídias sociais é capaz de dificultar a cooperação global necessária para conter o aquecimento global e seus efeitos devastadores, incluindo a intensificação de tempestades, secas e ondas de calor extremo, podendo custar inúmeras vidas ao longo dos próximos anos.
Autor: Victor Gonçalves, gerente do Polo Clima.
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