Consenso climático: uma emergência que merece um debate à altura

Consenso climático: uma emergência que merece um debate à altura

Por Argemiro Teixeira Leite-Filho

Embora a ciência das mudanças climáticas já esteja bem estabelecida, algumas questões sobre o consenso científico a respeito do papel das atividades humanas na crise climática atual continuam a surgir, gerando um polêmico debate público. O ceticismo climático é, por sinal, criativo. Continuamente são evocados termos associados, como “raios cósmicos” e “ciclos naturais”. Não é raro ver cidadãos, políticos e outros representantes públicos alegarem que ainda há um debate significativo entre cientistas sobre o real motivo das mudanças climáticas. O que não é verdade e a sociedade está antenada ao problema. Não há incerteza científica remanescente sobre a urgência e gravidade da emergência climática que estamos enfrentando, e tampouco sobre a influência das atividades humanas neste cenário.

Para deixar ainda mais clara a importância de um debate de base científica, pesquisadores norte-americanos buscaram sintetizar as informações de mais de 88 mil artigos científicos relacionados ao clima e revisados por pares, publicados desde 2012, e concluíram, com alta confiança estatística, que o consenso científico sobre a influência das atividades humanas no cenário de mudanças climáticas contemporâneas excede 99%. Valor mais alto, inclusive, do que os 97% de consenso encontrado nos estudos publicados entre 1991 e 2012.

É importante reforçar ainda que 1% dos trabalhos ainda não alinhados a este consenso foram publicadas em periódicos científicos menores e de pouca relevância. Portanto, não há mais debate científico significativo sobre a mudança climática não ser agravada pelo homem.

Em outra pesquisa, cientistas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, estimaram que apenas 2% a 12% da população mundial nega a influência humana no clima. No Brasil, os chamados negacionistas também estão em minoria: apenas 3% da população. O Brasil é o segundo país com menor número de negacionistas, o que demonstra a confiança de nossa população sobre os achados científicos. Em relação ao combate às mudanças climáticas, só 12% dos brasileiros concordam que o processo prejudica a economia. Outros 74% apoiam fortemente a adesão do país ao Acordo de Paris, e 87% dizem que as energias renováveis deveriam receber mais suporte. Tanto no Brasil, quanto em escala global, está claro o suporte popular a uma agenda de desenvolvimento atrelado à sustentabilidade e à estabilidade ambiental. Ainda assim, existe um longo trabalho de combate à desinformação, uma vez que o volume de notícias falsas nas redes sociais, embasando teorias irreais, cresceu muito no país nos últimos anos. Reflexo de uma estratégia política nada limpa.

Diante dos riscos que o negacionismo e o ceticismo representa, a negação das mudanças climáticas não deve ser monetizada, visto que informações falsas podem prejudicar discussões importantes sobre a emergência climática. Não obstante, alguns movimentos tem sido verificados nesta direção. O Twitter anunciou, em abril deste ano, que não permitirá anúncios que neguem a realidade das mudanças climáticas em sua plataforma. Anúncios enganosos no Twitter que contradizem o consenso científico sobre mudanças climáticas estão proibidos, em linha com a política sobre conteúdo impróprio da rede social.

Para o futuro, espera-se que os impactos das mudanças climáticas agravem ainda mais períodos de secas, formação de fortes ondas de calor e eventos extremos, como inundações, por exemplo. Cenários climáticos de forte base científica indicam que, ao mesmo tempo em que se projeta a diminuição da pluviosidade geral em grande parte do Brasil, deve aumentar o número de eventos de chuvas extremas, o que implica no aumento da probabilidade de enchentes e deslizamentos de terra. Mesmo com cortes rápidos de emissões, a população afetada pelas enchentes no Brasil deverá dobrar ou até triplicar e, para enfrentar o problema, é preciso buscar um consenso científico de impacto.

Os membros da obscura parte da “ciência” climática que negam as ideias científicas não fornecem nenhuma evidência persuasiva para refutar a hipótese de que, nas palavras do IPCC AR6: “É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, oceano e terra”. Diante desta emergência é preciso contribuir para a construção de conversas sobre mudanças climáticas pautadas em informações de fontes “confiáveis e oficiais”, incluindo a ciência por trás das alterações do clima. Informações enganosas podem minar os esforços para proteger o Planeta. Agora, mais do que nunca, um debate climático com responsabilidade é crucial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Powell, James Lawrence (20 November 2019). “Scientists Reach 100% Consensus on Anthropogenic Global Warming”. Bulletin of Science, Technology & Society. 37 (4): 183–184. doi:10.1177/0270467619886266. S2CID 213454806.

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Myers, Krista F.; Doran, Peter T.; Cook, John; Kotcher, John E.; Myers, Teresa A. (20 October 2021). “Consensus revisited: quantifying scientific agreement on climate change and climate expertise among Earth scientists 10 years later”. Environmental Research Letters. 16 (10): 104030. Bibcode:2021ERL….16j4030M. doi:10.1088/1748-9326/ac2774. S2CID 239047650.

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