A questão da biodiversidade está rapidamente ascendendo à vanguarda do cenário financeiro global. O Global Risks Report 2023, elaborado pelo World Economic Forum, destaca as preocupações ambientais entre os 10 principais riscos globais nos próximos 10 anos, com mudanças climáticas e perda de biodiversidade classificadas entre as cinco principais (Figura 1).
Figura 1: Os 10 riscos mais relevantes para os próximos 10 anos
O Fórum também ressalta que os setores mais dependentes da natureza, como agricultura, construção civil, alimentos e bebidas, contribuem significativamente para a economia global, gerando cerca de USD 8 trilhões em valor adicionado bruto anualmente.
Esses setores têm forte vínculo com a extração de recursos naturais e a oferta de serviços ecossistêmicos, como água potável, polinização e estabilidade climática.
A relação entre perda de biodiversidade e o setor financeiro
A biodiversidade é um dos pilares fundamentais para a sustentabilidade do nosso planeta. A diversidade de espécies e ecossistemas desempenha um papel vital em manter o equilíbrio ecológico, fornecendo serviços essenciais que sustentam a vida humana, como ar limpo, água potável, alimentos e medicamentos. No entanto, a biodiversidade está enfrentando ameaças significativas em decorrência das ações antrópicas, uma vez que a superexploração de espécies, as mudanças climáticas, a poluição e perda de habitat são pressões que geram impacto sobre as espécies e ecossistemas.
Estando o equilíbrio ecológico ameaçado, isso impactará diretamente a provisão de recursos para os mercados, causando instabilidade econômica, como aumento acelerado de preços de commodities e escassez hídrica e de alimentos. O sistema financeiro, por estar atrelado à economia real, consequentemente sofrerá impactos negativos, uma vez que instabilidades econômicas afetam o desempenho das empresas e de investimentos.
O papel das Instituições Financeiras
Instituições financeiras, como bancos, exercem uma posição central em nossa economia, uma vez que atuam como intermediários entre investidores, empresas e pessoas físicas, concedendo empréstimos e financiamentos em uma ampla gama de setores. No entanto, a pegada ecológica das atividades financeiras pode ser abrangente de forma a impactar diretamente a biodiversidade.
O financiamento de atividades que geram pressões sobre as espécies e os ecossistemas terrestres faz com que o concedente de recursos seja indiretamente responsável pelo impacto ambiental causado por aquela atividade. Logo, as instituições financeiras podem fazer a estimação de sua pegada de biodiversidade, e, a partir dessa mensuração, traçar estratégias para reduzi-la.
Uma vez que os fluxos de recursos sejam redirecionados de atividades que causam impactos negativos sobre a biodiversidade para atividades que causam impactos positivos, o sistema financeiro atua na proteção e restauração da biodiversidade.
Ferramentas de Pegada de Biodiversidade para o setor financeiro
Nesse contexto, alguns importantes frameworks que visam apoiar o setor financeiro em seu papel catalisador na contenção da perda de biodiversidade têm se destacado no contexto internacional, como o Global Biodiversity Framework (GBF), firmado em dezembro de 2022 na COP15 de Biodiversidade e a Task-force on Nature-Related Financial Disclosures (TNFD).
A TNFD apresenta um framework aplicável a empresas e a instituições financeiras com o intuito de fornecer uma estrutura de gerenciamento e divulgação de riscos para que tais organizações possam identificar, avaliar, responder e, quando apropriado, divulgar suas questões relacionadas à natureza.
Com isso, espera-se que a TNFD possa apoiar uma mudança nos fluxos financeiros globais, afastando-os de operações que impactem negativamente a natureza e aproximando-os de operações que a impactem positivamente.
Objetivo do Projeto
O trabalho da I Care Brasil visou auxiliar o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) na avaliação de sua Pegada de Biodiversidade e na identificação dos setores com maior impacto e dependência em relação à biodiversidade nas regiões onde atua. Isso respalda o projeto do BRDE de se posicionar como um “Banco Verde” e contribuir para o desenvolvimento sustentável da região.
Dado que as instituições financeiras frequentemente derivam suas dependências e impactos ambientais de suas carteiras de crédito, este estudo se concentrou em uma análise de “dupla materialidade” da carteira do BRDE, utilizando dados dos 179 maiores clientes até 31 de novembro de 2021.
A Metodologia utilizada pela I Care Brasil
A metodologia adotada baseou-se nas recomendações do PBAF, uma iniciativa que orienta instituições financeiras na avaliação dos impactos na biodiversidade. Nela, quatro pontos de análise foram tomados como base:
COMPREENDER O INVESTIMENTO
Análise das principais características da amostra do portfólio, evidenciando os setores em que há maior investimento pelo BRDE. Esta informação é essencial para o diagnóstico porque ela será a base para determinar as entradas e saídas ambientais de cada operação, e, consequentemente, o impacto e a dependência da operação em relação à biodiversidade.
CONHECER AS PRINCIPAIS ENTRADAS E SAÍDAS AMBIENTAIS
As entradas e saídas ambientais representam os fluxos de matéria e energia que cruzam o limite do sistema relativo à atividade econômica analisada e representam o conjunto de processos necessários para a sua realização e cumprimento de sua função.
AVALIAR OS IMPACTOS E DEPENDÊNCIAS SOBRE A BIODIVERSIDADE
Implica em examinar minuciosamente o impacto resultante das operações financeiras sobre a biodiversidade, bem como as dependências do setor econômico em relação aos serviços ecossistêmicos. Esta análise busca lançar luz sobre a interconexão que destaca tanto as consequências adversas como as oportunidades de ação.
INTERPRETAR E AGIR
Por fim, a última etapa traz um resumo dos principais resultados da análise e busca apontar possibilidades para o BRDE incorporar os resultados obtidos e implementar ações para reduzir a pegada de biodiversidade de seu portfólio.
A Figura 2 apresenta exemplos de etapas que podem ser adotadas após a análise de impacto sobre a biodiversidade.
Figura 2: Exemplos de ações a serem tomadas, baseadas na análise de impacto sobre a biodiversidade
A metodologia do Corporate Biodiversity Footprint (CBF)
Imagine-se em um mundo onde a preservação da biodiversidade é uma prioridade. Nesse cenário, o indicador CBF (Corporate Biodiversity Footprint) desempenha um papel fundamental. Ele foi concebido como parte do desenvolvimento do modelo GLOBIO3, uma criação da Agência de Avaliação Ambiental dos Países Baixos (PBL), com o objetivo de simular os impactos de diferentes cenários de pressão humana sobre a biodiversidade.
O GLOBIO, por sua vez, é um modelo elaborado para informar e apoiar tomadores de decisão, permitindo a quantificação dos impactos globais da atividade humana na biodiversidade. Sua métrica central é a integridade da biodiversidade terrestre local, expressa através do indicador MSA (Média de Abundância de Espécies).
Para chegar a esse resultado, o modelo se baseia em relações quantitativas entre a pressão exercida e o impacto gerado, utilizando extensos bancos de dados de biodiversidade terrestre.
A metodologia CBF opta por utilizar a Média de Abundância de Espécies (MSA) como métrica principal. Em primeiro lugar, a MSA oferece uma ampla e sólida base de conhecimento em termos de funções de dano, consolidada na literatura científica. Além disso, essa abordagem é holística, permitindo avaliar o impacto da biodiversidade de empresas em uma perspectiva de portfólio, diferentemente de indicadores mais específicos.
Como resultado, o CBF se tornou uma ferramenta utilizada para medir a pegada de biodiversidade de empresas, e muitos estudos de caso já foram publicados. A I CARE BRASIL e a ICEBERG DATA LAB se destacam como pioneiras e referências no uso dessa ferramenta, contribuindo para um mundo onde a preservação da biodiversidade é uma preocupação compartilhada e bem fundamentada.
Principais Fatores de Pressão sobre a Biodiversidade
A metodologia da CBF desagrega o impacto sobre a biodiversidade em quatro fatores de pressão: perda de habitat, poluição do ar, emissão de gases de efeito estufa (GEE) e poluição da água. Através dessa abordagem, foi viável identificar quais desses fatores desempenharam papel preponderante na influência das empresas financiadas pelo BRDE sobre a biodiversidade.
Adicionalmente, essa análise permite a diferenciação entre o impacto direto, causado pelas operações das empresas em si, e o impacto indireto, proveniente das atividades associadas ao ciclo de produção, como o uso de insumos e a natureza do produto final.
Os fatores de pressão são expressos a seguir:
Perda de Habitat: este fator quantifica a diminuição da biodiversidade resultante da modificação no uso do solo. O uso do solo se refere à exploração humana de uma área específica para propósitos diversos, como uso residencial, agrícola, recreativo e industrial. Alterações no uso do solo representam um dos principais impulsionadores da perda de biodiversidade global, impactando diretamente os habitats das espécies.
Poluição da água: este fator quantifica a perda de biodiversidade nos ecossistemas de água doce devido à liberação de produtos químicos orgânicos ou inorgânicos no meio ambiente por parte das empresas.
Mudanças Climáticas: Mensura a perda de biodiversidade decorrente das mudanças climáticas, resultado da emissão de gases de efeito estufa. Mudanças climáticas afetam a biodiversidade ao modificar a distribuição das espécies e podem resultar na redução de populações de espécies locais.
Poluição da Água: Quantifica a perda de biodiversidade em ecossistemas de água doce devido à liberação de produtos químicos orgânicos ou inorgânicos no meio ambiente por empresas financiadas pelo BRDE.
Análise das Dependências na Biodiversidade e nos Serviços Ecossistêmicos
Os índices de dependência da biodiversidade fornecem uma medida das dependências de um setor econômico em relação aos serviços ecossistêmicos. Esses índices ilustram como o setor pode tirar proveito de serviços específicos da natureza e como a interrupção desses serviços pode afetá-lo negativamente. Essa perspectiva é relevante para o BRDE, pois permite analisar o grau de exposição do banco a setores específicos e como a perda de biodiversidade pode aumentar o risco associado às empresas financiadas pelo BRDE.
Conheça o trabalho realizado pela I CARE BRASIL
A I Care, como pioneira na interseção entre a pegada de biodiversidade e finanças sustentáveis, atua como uma parceira estratégica no setor financeiro, promovendo a implementação de soluções eficazes diante dos desafios ambientais em curso.
Compreendemos que a conservação da natureza não apenas sustenta a vida no planeta, mas também oferece oportunidades econômicas. Por meio de frameworks como o TNFD e o SBTN, estamos comprometidos em auxiliar instituições públicas e privadas na redução da pressão sobre a biodiversidade, visando alcançar resultados “no net loss” e “nature positive“.
Nossas ferramentas de diagnóstico, como SBF (Site Biodiversity Footprint), Pegada de Biodiversidade do Produto (PBF – Product Biodiversity Footprint) e Pegada de Biodiversidade Corporativa (CBF – Corporate Biodiversity Footprint) permitem a construção de estratégias ESG robustas e transparentes, capacitando empresas a traçar estratégias e tomar medidas concretas em prol de um futuro sustentável.
Quer aplicar essa estratégia ao seu negócio? Entre em contato conosco.
Data: 06/11/2023
Autoria: Alter e Luisa Becker
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