Acordo de Paris, NDC e ACT: esforços pelo futuro

Antoine Saint-Exupéry foi um escritor francês muito conhecido pelo seu livro Pequeno Príncipe, mas considerava Cidadela como sua obra póstuma, mesmo ainda em vida. O texto, esboçado em 1936, foi escrito paralelamente aos últimos livros do autor e reuniu uma série de pensamentos sobre o sentido da vida e das coisas e sobre a condição humana. Uma das passagens desse livro diz:

“quanto ao futuro, não se trata de prevê-lo, mas de torná-lo possível”

É exatamente essa passagem que se encontra no site que nos direciona ao Relatório Especial do IPCC sobre os impactos do aquecimento global de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. É uma passagem apropriada, pois é exatamente esse o objetivo do Relatório, avaliar a condição humana futura dada o nosso comportamento em relação às emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).

As atividades humanas já induziram um aumento médio global de temperatura de aproximadamente 1°C acima dos níveis pré-industriais e a luta contra a mudança climática nunca foi tão necessária. O investimento em estratégias de transição de baixo carbono e o desenvolvimento de objetivos sustentáveis são cada vez mais necessários e seguem, nos últimos anos, sendo incentivados por organismos internacionais e investidores.

Do ponto de vista histórico, já emitimos, entre 1850 e 2015, mais de 1940 gigatoneladas de CO2 e o orçamento de carbono para atingirmos 1,5°C de aquecimento é estimado entre 420 e 840 gigatoneladas de CO2. Emitindo cerca de 52 gigatoneladas de CO2 por ano, isso significa que iremos atingir nosso limite entre 2023 e 2031. Esse limite desconsidera o fato de que as emissões vêm crescendo ano após ano, então podemos observar mais mudanças nos sistemas terrestres ainda mais cedo.

Se as emissões diminuírem, o orçamento duraria mais. No contexto das metas de descarbonização, o orçamento restante seria consistente com um cenário em que as emissões de CO2 diminuam linearmente dos níveis de 2019 para net-zero entre 2032 e 2042.

Aquecimento global já causa impactos

O Relatório do IPCC destaca que, impactos do aquecimento global nos sistemas naturais e humanos já vem sendo observados e que muitos ecossistemas terrestres e oceânicos já mudaram devido ao aquecimento. As ondas de calor, como a que afetam os Estados Unidos e o Canadá em julho de 2021 (ver Figura 1), onde a temperatura chegou a incríveis a 49,6°C, e invernos mais rigorosos (ver Figura 2), como no Brasil no mesmo período, mostram que estamos na era dos extremos.

Figura 1: Anomalia da Temperatura a 2 metros (Fonte: NASA)

Figura 2: Explicação da relação entre aquecimento global e invernos mais rigorosos (Fonte: Árvore e Água)

Os riscos futuros serão ainda maiores se o aumento da temperatura global exceder 1,5 °C, alguns deles podem ser duradouros ou irreversíveis, como a perda de alguns ecossistemas.

O Acordo de Paris, um tratado mundial que possui o objetivo de reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa para limitar o aumento médio de temperatura global a 2°C comparado a níveis pré-industriais, é atualmente nossa maior esperança.

O que é NDC?

Cada país produziu suas próprias metas de redução de emissões, e seus compromissos são condensados em um documento chamado Contribuição Nacionalmente Determinada, ou NDC em inglês. O Brasil, por exemplo, publicou sua primeira NDC em 2015, se comprometendo a reduzir as emissões líquidas totais de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030. Em 2020, o país se comprometeu com a neutralidade de carbono até 2050.

No entanto, considerando o orçamento de carbono de restante, falar em neutralidade de carbono em 2050 nos levará a um potencial aquecimento de mais de 2°C, chegando próximo dos 3°C. É importante mencionar que o restante do orçamento de carbono origina-se da relação aproximadamente linear entre as emissões cumulativas de CO2 e o aquecimento da Terra que elas causam. Em outras palavras, uma tonelada de CO2 emitida hoje, ontem ou 50 anos atrás, levará praticamente à mesma quantidade de aquecimento.

Portanto, mesmo com os avanços que vem sendo vistos para a transição climática, pode-se perceber que as metas ainda são insuficientes na maior parte dos casos. É preciso, além da adesão de objetivos mais significativos, construir políticas públicas que auxiliem na redução expressiva de emissões. Para além das políticas públicas, outros atores também devem se comprometer, como investidores, empresas e a população civil.

Ações de mitigação de emissões pelas empresas

As empresas, por exemplo, devem assumir um papel cada vez mais importante na liderança das ações de mitigação. Por serem responsáveis por 24% das emissões globais do setor energético, além de 5% de emissões diretas (ver Figura 3), a indústria tem um papel preponderante na condução desse tema. Isso vem sendo motivado também em função da pressão de grandes investidores.

Não faz muito tempo, a BlackRock, maior empresa de gestão de ativos do mundo, lançou uma carta em que dizia ser necessária uma mudança estrutural nas finanças, evidenciando que os riscos climáticos estão forçando investidores a reavaliarem os pressupostos básicos sobre as carteiras de investimento.

O desafio da maior parte das empresas reside em medir sua efetiva contribuição, o que poderia ajudá-las a definir uma estratégia climática que possa ser aplicada aos seus ativos. Uma série de discussões vem sendo realizadas sobre os modelos de mercado de carbono, seja através do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBEDS), seja através do Laboratório de Inovação Financeira (LAB), projeto da GIZ, ou de diversas iniciativas que vem sendo construídas, como as feitas pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces). Apesar do mercado ser um ótimo instrumento para fomentar a neutralidade das emissões das empresas, as empresas precisam conseguir definir o direcionamento da sua estratégia.

Em geral, um Plano de Transição de uma empresa deve conter diretrizes, descrição de ações e etapas, estimativa de custos envolvidos e projeções financeiras (depreciações, remediações, penalidades contratuais, custos regulamentares, entre outros), descrição das mudanças no plano de negócios, definição de potenciais estressores (mudanças adversas repentinas), avaliação de riscos das regiões onde os ativos estão incluídos, metas, compromissos e prazos para implementação das ações previstas, entre outros elementos que possam definir uma estratégia alinhada à de meta 2°C baseada na ciência.

Figura 3: Emissões por setor e por uso (Fonte: Our World in Data)

Para além das metas e custos, é necessário também que haja definição dos níveis de aprovação na organização (governança) e atenção aos indicadores de monitoramento de sucesso. Isso tudo vai de encontro às recentes discussões do momento sobre ESG (Environmental, Social and Governance).

A França de Saint-Exupéry e do Acordo de Paris, trazem uma importante metodologia que chega para avaliar e orientar empresas em sua transição ambiental, a Assessing low-Carbon Transition, ACT®, desenvolvida pela ADEME (Agência Francesa de Meio Ambiente e Gestão de Energia), braço técnico do Ministério do Meio Ambiente Francês, em parceria com o CDP (Carbon Disclosure Project), organização sem fins lucrativos que almeja mobilizar investidores, empresas e governos para a ação climática, promete avaliar o alinhamento da empresa com uma trajetória abaixo de 2°C. Com essa avaliação, a empresa pode determinar se tem empregado esforços suficientes para contribuir com o Acordo de Paris.

Engajamento de empresas

Atualmente, mais de 270 empresas em todo o mundo já estão engajadas com a iniciativa ACT® e muitas delas têm o seu resultado publicado na página oficial da iniciativa. Para as empresas, essa é uma ótima estratégia para se posicionar publicamente com a redução de suas emissões, bem como para a atração de investidores.

A ACT® não é necessariamente a única metodologia que deverá ajudar as empresas e investidores a medir suas emissões e decidir seus investimentos. Outras ferramentas como a Carbon Impact Analytics, a Science-Based 2°C Alignment (SB2°A), a 2° Investing Initiative, entre outras, prometem ser importantes ferramentas para medir se as metas das empresas estão comprometidas com um futuro com menos impacto.  Já outras ferramentas, como a Net Environmental Contribution (NEC), prometem ir além das métricas relacionadas às emissões para medir fatores como uso da água, qualidade do ar, impacto sobre a biodiversidade, entre outros impactos que podem ser avaliados de uma maneira holística.

Mesmo em um mundo de emissões zero de CO2, há expectativa de que a temperatura permaneça estável por alguns séculos, o que significa que a mudança climática que já ocorreu será difícil de reverter na ausência de emissões líquidas negativas em grande escala.

Em todo caso, as melhores evidências científicas disponíveis mostram que é provável que o aquecimento pare quando as emissões de CO2 chegarem a zero, o que significa que os humanos têm o poder de escolher seu futuro climático. Nas palavras de Saint-Exupéry, não deveríamos precisar prever o futuro, mas torná-lo possível para as futuras gerações.

Autor: Victor Gonçalves, gerente do Polo Clima.

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