Guerra na Ucrânia e seus impactos nas mudanças climáticas

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No dia 24 de fevereiro, depois de uma escalada de tensões e acusações entre Ucrânia e Rússia, irrompeu um novo conflito no continente europeu. Ele põe de um lado uma Ucrânia cada vez mais próxima do Ocidente e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a Rússia, preocupada com a soberania nacional. 

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Para além do conflito, a situação atual é um lembrete da falta de planejamento e visão de diversos países em relação às suas políticas energéticas, algo extremamente importante no cenário geopolítico e que vai ditar o sucesso ou o fracasso na luta contra a mudança climática. A guerra também nos lembra o duplo desafio para a transição energética, tanto a montante, com a dependência dos combustíveis fósseis, quanto a jusante, com os respectivos impactos das emissões provenientes da queima dessas fontes de energia.

Conforme já observado por Svitlana Romanko, meteorologista ucraniano e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), “as alterações climáticas e o conflito têm as mesmas raízes: os combustíveis fósseis”. Várias ONGs, por sua vez, denunciaram uma “máquina de guerra” alimentada pelas indústrias de combustíveis fósseis, enquanto 36% das receitas do Estado russo provêm das exportações de gás e petróleo.

Desde a invasão da Ucrânia, os países da União Europeia demonstram crescente preocupação com segurança energética, sob o risco de colocarem em segundo plano seus objetivos climáticos. Países como Alemanha e República Tcheca, por exemplo, terão dificuldade para manter os planos de redução do uso do carvão, entre outras fontes intensivas em emissões de gases de efeito estufa, indo contra os principais compromissos do bloco no Acordo de Paris e na COP26.

Infelizmente, a evolução dos sistemas energéticos é lenta, e uma constatação inevitável neste momento do conflito é que, quando não agirmos com décadas de antecedência nesse setor, sofremos apenas os efeitos das crises. Em outras palavras, a capacidade de reação no curto prazo é bastante limitada e, por isso, as decisões estratégicas tomadas hoje vão ser sentidas no médio e longo prazo. Isso se relaciona com o conceito das emissões bloqueadas, ou seja, dependendo dos investimentos, os países serão obrigados a conviver com os passivos que esses investimentos geram durante 20, 30 anos, que é, em geral, o tempo de vida desses projetos.

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Apesar da incapacidade imediata de viabilizar a independência energética, existem medidas que podem ser tomadas e que são defendidas por especialistas em clima há décadas. Á luz da guerra, elas adquirem total sentido. 

Em uma iniciativa recente, a Agência Internacional de Energia (IEA) lançou um plano de ação que propõe soluções para o impasse europeu. Em linhas gerais, o documento reforça a conclusão de que a saída para a menor dependência da União Europeia em relação ao gás russo passa, inevitavelmente, pela eficiência energética e por fontes alternativas de energia, notadamente as renováveis. As ações propostas pela IEA podem resultar, nos próximos anos, na substituição de pelo menos 60 bilhões de metros cúbicos (bcm) de gás natural, o que equivale a cerca de 40% das atuais importações do insumo pela União Europeia.

O desenvolvimento de projetos relacionados a fontes renováveis e de baixas emissões seria uma das frentes de maior impacto. Somados, teriam potencial para reduzir as importações europeias em aproximadamente 20 bilhões de metros cúbicos de gás natural. 

Entre as fontes renováveis, o documento trata especificamente de energia eólica e solar, cuja expansão da capacidade de geração resultou neste ano em um aumento de geração da ordem de 100 terawatts-hora (TWh), com um crescimento da ordem de 15% em relação a 2021. De acordo com a IEA, outros 20 TWh poderiam ser adicionados em 2023, a partir de incentivos governamentais em projetos que envolvem essas fontes.

O plano de ação proposto pela IEA também destaca o papel da energia nuclear, que apesar de não ser renovável, é tida como a maior fonte de energia de baixa emissão de gases de efeito estufa, ainda que vários reatores tenham sido desligados em 2021 para manutenção e verificação de segurança. A organização avalia que a retomada das operações desses reatores, somada à entrada em operação de outros projetos em execução, poderá levar ao aumento da geração de energia nuclear na União Europeia em 20 TWh em 2022.

A IEA chama a atenção, ainda, para o fato de as instalações de bioenergia da região terem operado com cerca da metade da capacidade total em 2021. De acordo com as estimativas da entidade, essas usinas podem gerar até 50 TWh a mais de eletricidade em 2022, por meio de incentivos e fornecimento sustentável de bioenergia.

Sem dúvida, a guerra na Ucrânia, combinada aos desafios da crise climática, adiciona um senso de urgência para a criação de um sistema energético mais intensivo no uso de fontes renováveis. 

De acordo com estimativas da IEA, se o mundo convergir para a neutralidade de carbono até 2050, as fontes de energia solar e eólica poderão responder por 70% da geração global até 2050, contra 9% em 2020. O uso intensivo de fontes limpas é o caminho mais viável para mantermos o aumento da temperatura limitado a 1,5°C, segundo um grupo de modelos avaliados pelo terceiro grupo de trabalho (WGIII) do IPCC, em seu sexto relatório de avaliação (AR6).

Os desafios da nova configuração energética global devem ser enfrentados com um olhar sobre as lições aprendidas no campo geopolítico, mas também em relação aos desafios da mudança climática. Nesse sentido, o desenvolvimento de soluções que viabilizem uma transição energética adquire ainda mais relevância.

O conflito na Ucrânia vem abalando nossa sociedade e pode lançar o mundo em direção a um futuro ainda desconhecido. Porém, nos oferece uma oportunidade de nos libertarmos do uso de combustíveis fósseis, e de reforçarmos a luta contra o principal vetor das alterações climáticas.

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