Os desastres climáticos estão se tornando cada vez mais frequentes e severos, causando danos significativos tanto à infraestrutura pública quanto ao setor privado. A recuperação e a reconstrução após esses eventos exigem recursos financeiros substanciais e uma diversificação das fontes para preenchimento da lacuna de financiamento. O primeiro relatório Global Stocktake da Conferência Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), lançado em setembro de 2023, destacou que os recursos públicos, por si só, não são suficientes para atender às necessidades globais de financiamento climático, especialmente nos países em desenvolvimento, que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das mudanças climáticas. Em consonância com essa evidência, o Climate Policy Initiative (CPI) revelou que, no período entre 2021 e 2022, atores privados contribuíram com 49% do total de financiamento climático, o equivalente a US$ 625 bilhões. No entanto, a maior parte desse financiamento foi direcionada para as economias desenvolvidas.
Para superar as barreiras ao financiamento, desenvolver e escalar mecanismos financeiros inovadores que possam atrair e mobilizar capital privado vem sendo fundamental. O Banco Mundial (2023) destaca que instituições financeiras têm liderado a criação de diversos instrumentos inovadores, como os Green Bonds, Catastrophe (“CAT”) Bonds, e financiamento vinculado a desempenho climático. Esses instrumentos oferecem aos investidores oportunidades de retorno financeiro enquanto financiam projetos de adaptação e mitigação climática, e até mesmo respostas a eventos climáticos extremos. Por exemplo, os ‘CAT Bonds’ transferem o risco de desastres naturais para os investidores, oferecendo uma forma de financiamento que pode ser acionada imediatamente após um evento catastrófico, proporcionando uma fonte vital de capital para a reconstrução. Além destes instrumentos, abordagens como parcerias público-privadas (PPPs) e blended finance são capazes de alavancar o capital privado. As PPPs permitem que recursos e expertise do setor privado complementem os esforços do setor público em projetos de infraestrutura resiliente. No Brasil, iniciativas como essas têm sido fundamentais para desenvolver infraestrutura que pode resistir aos impactos de desastres climáticos. Outra abordagem inovadora é o financiamento baseado em desempenho (e.g. sustainable linked bonds), onde os pagamentos aos investidores são vinculados ao sucesso de projetos em alcançar metas específicas de resiliência ou redução de riscos. Esse modelo não só incentiva o investimento privado, mas também garante que os fundos sejam eficazmente utilizados para alcançar os objetivos desejados.
Por outro lado, é importante considerar que o setor privado também está suscetível a desafios significativos em contextos de desastres climáticos. Os setores do comércio, indústria e agricultura são particularmente vulneráveis a esses eventos em todo o mundo, enfrentando enormes dificuldades para recuperar suas operações e superar os danos causados. No caso das inundações recentes no Rio Grande do Sul, por exemplo, a Confederação Nacional de Municípios estima que os prejuízos totais estão em torno de R$ 8,6 bilhões, sendo R$ 2,3 bilhões são no setor público, R$ 1,7 bilhão no setor privado e a maioria dos prejuízos associada ao setor habitacional, totalizando R$ 4,6 bilhões. Somente no âmbito privado, a agricultura, um dos pilares da economia regional, sofreu prejuízos de R$ 1,3 bilhão, enquanto a indústria e os comércios locais enfrentaram perdas de R$ 255,5 milhões e R$ 127,5 milhões, respectivamente (CNM, 2024). Esses números ilustram a magnitude dos desafios financeiros enfrentados pelo setor privado na recuperação e reconstrução pós-desastre.
Diante de cenários como este, a resposta do setor privado ainda é majoritariamente na forma de seguros, endereçando as perdas e danos (WEF, 2024). Porém, as instituições financeiras privadas e a economia mista, representadas por bancos comerciais, gestoras de fundos de investimento, cooperativas de crédito e agências de fomento, podem ampliar seu importante papel ao mobilizar grandes volumes de capital e direcioná-los para iniciativas de recuperação pós-desastre. Linhas de crédito emergenciais com prazos estendidos, condições especiais de pagamento, renegociações de dívidas e prorrogações de vencimentos de empréstimos são medidas já existentes e que podem ser expandidas de forma a suprir as necessidades de alívio imediato e ajudar empresas dos mais diversos portes a reestabelecerem suas operações abordagens mais flexíveis e acessíveis.
Desbloquear o pleno potencial do financiamento climático privado é essencial para enfrentar a crise climática e fortalecer economias sustentáveis. Ao combinar instrumentos financeiros inovadores, parcerias estratégicas e um ambiente regulatório favorável, é possível garantir que as comunidades e empresas afetadas tenham os recursos necessários para se recuperar e se preparar para futuros desafios climáticos. O setor privado, capacitado e incentivado adequadamente, tem muito a contribuir para a recuperação pós-desastre, apoiando não apenas a reconstrução imediata, mas também a resiliência contra futuros eventos climáticos.
Referências
Climate Policy Initiative (CPI). Global Landscape of Climate Finance 2023. 2023. Disponível em: https://www.climatepolicyinitiative.org/wp-content/uploads/2023/11/Global-Landscape-of-Climate-Finance-2023.pdf. Acesso em 13 jun. 2024.
Confederação Nacional de Municípios (CNM). Com R$ 4,6 bilhões em prejuízos, setor habitacional é o mais impactado pelas chuvas no Rio Grande do Sul. 2024. Disponível em: https://cnm.org.br/comunicacao/noticias/com-r-1-3-bilhao-em-prejuizos-agricultura-e-o-setor-com-mais-impacto-pelas-chuvas-no-rio-grande-do-sul. Acesso em 13 jun. 2024.
United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC). Technical dialogue of the first global stocktake: Synthesis report by the co-facilitators on the technical dialogue. 2023. Disponível em: https://unfccc.int/sites/default/files/resource/sb2023_09_adv.pdf Acesso em 13 jun. 2024.
World Bank. The Power of Private Capital in Sustainable Development. 2023. Disponível em: https://live.worldbank.org/en/event/2023/spring-meetings-2023-sustainable-development-finance#tabs-cbb43894c3-item-1a33aa2e4e-tab Acesso em 13 jun. 2024.
World Economic Forum (WEF). Private climate finance: 4 things to consider. 2024. Disponível em: https://www.weforum.org/agenda/2024/04/private-climate-finance-4-things-you-need-to-know/. Acesso em 13 jun. 2024.
Publicado em: 25/06/2024
Autoria: Jorcianne Ferreira
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